sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Charles Baudelaire sobre a maconha


Primeiro, uma certa hilaridade estranha e irresistível se apodera de você. As palavras mais comuns, as idéias mais simples tomam uma fisionomia bizarra e nova. Nem você agüenta essa alegria, mas é inútil resistir. O demônio já o invadiu; qualquer esforço que fizer para resistir só servirá para acelerar os progressos do mal. Você ri de sua bobagem e de sua loucura; seus companheiros riem de você, e você nem se importa, pois a benevolência já começou a se manifestar.

Passados alguns minutos, as relações entre as idéias tornam-se tão vagas, os fios que ligam suas concepções são tão tênues que somente seus cúmplices, seus correligionários podem entendê-lo. Sua maluquice, suas gargalhadas parecem o cúmulo da bobagem a quem não estiver no mesmo estado. Quanto aos seus companheiros, você se dá maravilhosamente bem com eles. Logo, a compreensão se passará só pelo olhar. A segunda fase se anuncia por uma sensação de frio nas extremidades, uma grande fraqueza; você tem, como se diz, as mãos moles, um peso na cabeça e uma estupefação geral em todo o ser. 

Os olhos ficam esbugalhados, como puxados em todos os sentidos por um êxtase implacável. Seu rosto é tomado pela palidez, torna-se lívido e esverdeado. Os lábios encolhem, encurtam e parecem querer entrar para dentro. Seu peito exala suspiros roucos e profundos como se sua natureza antiga não pudesse suportar o peso da nova. Os olhos perscrutam o infinito. Os ouvidos percebem os mais imperceptíveis sons no meio dos mais agudos alvoroços. As alucinações começam. Os objetos externos tomam aparências monstruosas. Revelam-se para você sob formas até então desconhecidas. 

Depois se distorcem, se transformam e, finalmente, entram no seu ser ou então você entra neles. Acontecem os mais singulares equívocos, as mais inexplicáveis transposições de idéias. Os sons passam a ter uma cor, as cores têm uma música. As notas musicais tem números, e você consegue resolver com uma rapidez assustadora prodigiosos cálculos de aritmética, à medida que a música se desenrola no seu ouvido. Você está sentado e fumando; acredita estar sentado no seu cachimbo e é você que seu cachimbo está fumando, é você que está se exalando na forma de nuvens azuladas.

- Charles Baudelaire

Fonte: Anarcofagia.

Um comentário:

  1. Pesquisei no google sobre "baudelaire e a maconha" para mandar a descrição para uma amiga. Espantei-me em ver a fonte do artigo. Meu antigo blog "anarcofagia". Que 'durou' em intensidade e não em tempo.

    Forte Abraço!

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